A
democracia brasileira está com alguns de seus fundamentos essenciais eivados
por sérios desvios de comportamento que poderá num futuro próximo comprometer
toda sua estrutura. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição." O
que a Carta Magna de 1988 preconizou resumidamente e o que aprendemos nas aulas
de “Moral e Cívica” , quando havia, é que basicamente uma democracia se
sustenta no tripé dos poderes da nação, tendo como luz irradiadora dos atos,
fatos e ideias uma imprensa livre e atuante. Aprendemos também que os três
Poderes devem ser independentes e harmônicos: um que diz como é que se faz,
outro que faz e outro que julga como se fez ou se deixou de fazer.
As
denuncias de compra de apoio de parlamentares por parte do executivo apuradas
pelo Ministério Público e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal no processo
denominado “mensalão”, dão-nos a ideia de que os Poderes não são assim tão
independentes e nem tão harmoniosos. E isto é o que foi apurado e julgado até o
momento, pois todos nós sabemos que em todas as esferas de governo, em todos os
tempos e em todos os rincões deste país o “propinoduto” rola solto e a justiça
que é cega, mouca e capenga pouco tem feito, fora dos holofotes, para coibir o
carcinoma que ameaça se transformar em metástase.
Há
um provérbio que diz: “a justiça tarda, mas não falha”. No caso brasileiro ela
tarda sim, e falha também. Tarda porque só consegue apresentar algum resultado
quando os holofotes midiáticos miram as togas dos digníssimos magistrados e
falha ao inverter a ordem natural dos processos e antecipar o julgamento do
“mensalão do PT” para fazer coincidir com as eleições municipais, com o
propósito indisfarçado de prejudicar o Partido dos Trabalhadores, mesmo sabendo
que o “mensalão” tucano foi anterior, tão ou mais grave que o do PT e
considerado a Célula Mater do outro. Falha porque até hoje não se ouviu falar
em apuração de denuncias dando conta da compra de apoio de deputados à Emenda
Constitucional que permitiu a reeleição de Fernando Henrique, embora alguns
parlamentares tenham renunciado a seus mandatos por medo de cassação motivada
pelas denuncias; Falha quando mantém o ministro Gilmar Mendes, do STF, ativo,
julgando os integrantes do “mensalão” do PT quando ele próprio é acusado de
participar do rateio do “mensalão” tucano, conforme lista divulgada pela
imprensa; Falha quando o Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal
Federal concede uma liminar para que o governador de Goiás, Marconi Pirillo não
seja obrigado a comparecer a uma convocação da CPI do Cachoeira, uma semana
após o STF ter julgado (alguns dizem sem provas) integrantes do PT, subvertendo
até a teoria do Roxin. Palhaçada!
A imprensa brasileira, como é voz corrente, representa um “quarto
poder”, só que, institucionalmente não precisa ser independente e nem
harmonizar-se com os outros poderes, suas ações são bem mais contundentes e
eficazes. Esta história de imprensa livre é balela, liberdade de expressão aqui
significa que os “jornalões” Folha de São Paulo, Estadão, Veja e O Globo estão
liberados para julgar e condenar antes que a justiça o faça, para acobertar e
disfarçar escândalos que incriminariam figurões da elite preconceituosa do eixo
Rio - São Paulo. Um exemplo bem peculiar da ação predadora desta mídia
conservadora, medíocre e parcial, para nós, nordestino-cearenses, foi a
imposição da Rede Globo para que a TV Diário do Nordeste suspendesse suas
transmissões via satélite a fim de não prejudicar sua audiência no sul-sudeste,
região que concentra mais nordestinos fora do Nordeste. Tasso Jereissati, aliado
político da direita conservadora e marido de Renata, herdeira da televisão
nordestina, claro, aquiesceu com a determinação da toda poderosa Globo.
Jaime Aparo Alves, jornalista e doutor em
antropologia Social pela Universidade do Texas em Austin, escreveu: “Somos todos
reféns da meia dúzia de jornais que definem o que é notícia, as práticas de
corrupção que merecem ser condenadas, e, incrivelmente, quais e como devem ser
julgadas pela mais alta corte de Justiça do país. Na última sessão do
julgamento da ação penal 470, por exemplo, um furioso ministro-relator exigia a
distribuição antecipada do voto do ministro revisor para agilizar o trabalho da
imprensa (!). O STF se transformou na nova arena midiática onde o enredo
jornalístico do espetáculo da punição exemplar vai sendo sancionado.
Depois
de cinco anos morando fora do país, estou menos convencido por que diabos tenho
um diploma de jornalismo em minhas mãos. Por outro lado, estou mais
convencido de que estou melhor informado sobre o Brasil assistindo à imprensa
internacional. Foi pelas agências de notícias internacionais
que informei aos meus amigos no Brasil de que a política externa do
ex-presidente metalúrgico se transformou em tema padrão na cobertura
jornalística por aqui. Informei-lhes que o protagonismo político do Brasil na
mediação de um acordo nuclear entre Irã e Turquia recebeu atenção muito mais
generosa da mídia estadunidense, ainda que boicotado na mídia nacional.
Informei-lhes que acompanhei daqui o presidente analfabeto receber o título de
doutor honoris causa em instituições europeias, e avisei-lhes que por causa da
política soberana do governo do presidente metalúrgico, ser brasileiro no
exterior passou a ter uma outra conotação. O Brasil finalmente recebeu um
status de respeitabilidade e o presidente nordestino projetou para o mundo
nossa estratégia de uma America Latina soberana.”
Finalmente, o mais substancial
esteio da democracia, que é o voto livre e consciente do povo, deixou de ser
livre e consciente desde que o poder econômico mercantilizou o sufrágio
universal, tornando as eleições num verdadeiro leilão onde quem tem mais e está
disposto a gastar, leva a mercadoria.